sábado, 4 de abril de 2009

Capitulo I - Ep. 1 - Divinum Kakodaimonia

- Todos parados, isso é um assalto!

Quantas vezes as pessoas naquele banco já não ouviram essa frase? Dessa vez, o assaltante não passava de um garoto de 16 anos, acompanhado por mais outros dois, talvez ainda mais novos. Os seus companheiros escondiam os rostos: um deles cobria a face com uma camiseta salmão amarrada no rosto, enquanto o outro optou pela tradicional meia-calça.

- Olha garoto, você não precisa fazer isso – O guarda do banco, já rendido e sem sua arma, tentava acalmar o assaltante. - Se você desistir agora, pode fugir. Eu nem vou chamar a polícia...

- Cala a boca, seu filho-da-puta! - o assaltante atirou no rosto do pobre guarda, que caiu instantaneamente morto no chão. Sangue e pedaços de cérebro salpicando o vestido branco de uma bela garota loira de cabelos encaracolados. A menina ficou ali, em choque, soluçando enquanto continha o choro sob a ameaça da pistola que acabara de matar o pobre infeliz.

-Mais alguém? - o assaltante com a meia-calça gritou.

-Enche essa porra, seu bosta! - o “líder” então jogou uma sacola de feira para um dos caixas do banco, um senhor magro e de idade já bastante avançada, que mal soube o que fazer. Seu caixa estava completamente vazio.

Suando frio, o velho tateou o compartimento onde o dinheiro ficava... Tateou procurando no vazio pelo dinheiro que, obviamente, jamais apareceria. Ele engoliu seco e com os lábios trêmulos fez uma mímica que só podia ser lida como “me desculpe”.

-Caralho, seu velho de merda, tá esperando o que?

-Olha... Ele se mijou! Há,ha,ha!

-Mata logo ele... Pega essa merda antes que a policia apareça!

O assaltante já se preparava para apertar o gatilho, quando as portas duplas do banco se abriram, revelando uma estranha figura: Um homem de longos cabelos negros, lisos e sem qualquer brilho, trajado finamente com um terno negro sobre uma camisa branca. Com os olhos ocultos por trás dos óculos escuros e uma expressão monótona, o estranho olhou ao redor.

- PRO CHÃO! -gritou o líder dos assaltantes, completamente ignorado

Sem parecer prestar atenção nas pessoas que se amontoavam rendidas no chão, o estranho caminhou em direção ao caixa. Um clique e depois um grande estrondo, e depois outro e outro... Os assaltantes atiraram a sangue frio contra o estranho.

- Que porra...?!

Ali de pé, diante de seus olhos, o estranho permanecia ileso. Não se via sinais de tiros, nem mesmo a um metro do homem, como se os projéteis nunca tivessem sido disparados. Ele então continuou sua caminhada, no mesmo passo em que havia iniciado.

-
Tsc... A humanidade... - O estranho então ajeitou os óculos para baixo, revelando seus olhos vermelho-sangue.

- Ele é o diabo!!!

Os assaltantes então começaram a atirar, sem se importar com a quantidade de balas que estavam gastando, nem com quem mais além do estranho estavam atingindo. Pelo menos duas pessoas foram alvejadas pelas balas perdidas, enquanto o estranho continuava ileso.

-
Diabo, você diz? -finalmente o estranho pareceu notar a existência dos assaltantes – Ah não, não o diabo...

Sem sequer mover um músculo, o estranho fez com que um dos assaltantes, o que vestia a meia calça na cabeça, vomitasse suas própria entranhas, sufocando e morrendo com as suas próprias alças intestinais sobre a face. Os outros dois, já apavorados, correram então em direção a porta. O estranho então viu que as pessoas o encaravam apavoradas, mas com um esboço de sorriso contorcendo levemente seus lábios ele apontou seu indicador esquerdo para um dos assaltantes, que em uma fração de segundos envelheceu 1000 anos e se decompôs no ar.

-
Não tenham medo – Ele então olhou para o ultimo assaltante, que já crusava a porta, mas que antes de atravessa-la foi partido ao meio pelas portas duplas que se fecharam violentamente -Meu nome é Abbadon, e eu estou aqui para salva-los!


No dia seguinte ao assalto, em todos os principais jornais de São Paulo falava-se da estranha ocorrência. Apesar do grande número de testemunhas, que até mesmo registraram oficialmente para a policia sobre aquele estranho evento, a noticia foi tratada como sensacionalismo da imprensa.

- O medo faz isso com as pessoas – um psicologo explicava, em uma matéria para o Jornal Nacional – A mente humana é misteriosa. Essas pessoas estavam sob uma situação de extremo estresse, e um deles deve ter convencido os outros de que essa história era real...

- Doutor, e como o senhor explicaria os três corpos dos assaltantes? Não foram mortes comuns...

- Eu tenho certeza que mais cedo ou mais tarde a perícia policial conseguirá explicar o que aconteceu. Não há motivos para alarde.

Assistindo à reportagem pela vitrine de uma loja de eletrodomésticos, Maiah engasgou com o milk shake que acabara de engolir ao ver o retrato falado do estranho que havia salvado as pessoas no banco.

- O que!?


Andando sozinho pelo centro da cidade, Abbadon subiu as escadarias da Catedral Metropolitana de São Paulo e sem que qualquer pessoa notasse sua presença, desceu até a cripta subterrânea. Aos olhos de um imortal, a Cripta revela passagens para diversas regiões do mundo. Uma forma rápida e fácil de viajar para um anjo que havia perdido suas asas.

- Muito bem... - um velho sacerdote, completamente careca e sem sobrancelhas, atravessou um dos portais revelando-se diante de Abbadon. - Você eliminou aqueles mortais como ordenado.

-
Por que me enviou para uma tarefa tão simplória? - o anjo caído perguntou.

- Porque eu posso. - o velho riu, revelando dentes brancos e perfeitos – Você agora está sob meu comando, anjo negro. Ninguém nesse mundo sentirá falta de pessoas como aquelas... Dessa forma eu posso testar o meu controle sobre você e suas forças sem chamar muita atenção.

-
Lazarus Grimm... -Abbadon pronunciou o nome com desprezo - Que tipo de monge é você?

- Ah, caro Anjo da Destruição... Sou apenas um servo do senhor! - o monge franziu sua testa com uma falsa expressão de irreverencia - Assim como você, não é mesmo?

-
Tch... O Um não se interessa por macacos como vocês... -Abbadon então apontou o dedo da sua mão esquerda em direção ao monge, mas hesitou e em seguida abaixou a mão – Quais suas próximas ordens, monge?

Segurando um coração negro que pulsava em sua mão, o monge sorriu satisfeito: era aquele o motivo da hesitação de Abbadon. Por todos os crimes que havia cometido no passado, Abbadon foi banido dos Sete Céus e dos Nove Infernos, e teve suas asas arrancadas.

Normalmente, um anjo que perde suas asas simplesmente assume uma forma mortal e assim vive como um ser humano comum, pra sempre destituídos de sua posição como extensões do UM. Abbadon, contudo, já havia previsto sua punição muitos séculos antes de ter perdido suas asas e assim trancafiou parte de sua essência em um estranho artefato, o “Coração das Trevas”.

No momento em que Abbadon foi convertido em sua forma mortal, a energia que havia armazenado no Coração das Trevas foi transferida para seu corpo mortal, elevando-o à uma forma de existência intermediaria entre aquela de um homem e a de um anjo. Quem havia lhe presenteado com o coração das trevas em primeiro lugar fora o próprio Lazarus Grimm, em uma época em que Abbadon ainda era considerado servo fiel do UM.

Secretamente, Lazarus incluiu um encantamento poderoso no Coração das Trevas: um selo de subjugação. Dessa forma, pelas próprias leis cósmicas Abbadon estava obrigado a servir o portador do Coração por toda a eternidade.

- Sua próxima ordem é simples: Mate o papa.

- O-o que? - um outro sacerdote acaba de descer as escadarias da Cripta – Irmão Lazaro, você... Quem é esse?

-Tsc. - Lazarus olhou o jovem sacerdote, um padre recém admitido na catedral. -Ah, que pena que você ouviu isso, meu filho. - Com a palma direita apontando pra direção do padre, o membro de Lazarus se desfez em uma massa desforme de carne e pustulas, que depois extenderam-se como tentáculos na direção do sacerdote. Em vão, o padre tentou gritar, mas o tentáculo de carne podre abraçou-lhe a cabeça e torceu-lhe o pescoço em um movimento rapido, terminando em um som oco dos ossos se esfacelando.

Retraindo o tentáculo, Lazarus abriu a boca deixando pendente uma enorme língua vermelha escura que se estendia até o chão. A Imensa boca do monge então se abriu revelando os dentes perfeitamente brancos agora sob a forma de presas pontiagudas, que receberam dos tentáculos o corpo esmagado do padre e o mastigaram deixando vazar pelos cantos da boca o sangue ainda fresco do pobre homem.

-
Repugnante. -Abbadon encarou Lazarus com desprezo – Um demônio disfarçado de monge.

Em poucos segundos, Lazarus recuperou sua forma humana, e com um sorriso debochado voltou-se à Abbadon.

- Ah, e quem é você para julgar, anjo caído? - fez então pressão sobre o coração das trevas ainda na sua mão direita, levando Abbadon a sentir uma dor aguda no peito. - Faça como ordenado... Elimine o Papa e me traga sua cabeça.

-
Como quiser. - Abbadon então travessou o portal para Roma.

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